Alguns meses atrás, Jimmy Carter escreveu um artigo útil aqui no blog da BCC sobre como os conselheiros bíblicos têm interagido com o papel dos hábitos na santificação. Para resumir seu argumento, Carter demonstrou como o aconselhamento bíblico inicial enfatizava fortemente a desabituação e a reabituação como um método importante ou primário de santificação. Essa ênfase acabou sendo eclipsada por um foco mais forte na idolatria do coração. Escritos mais recentes mostraram um interesse renovado pelo papel do hábito na santificação, mas com uma antropologia que difere em alguns aspectos daquela sustentada por Jay Adams. Pretendo que este artigo seja uma continuação da conversa que Carter iniciou, com um foco maior na interação entre abordagens cognitivas e aconselhamento bíblico.
Teorias da Mudança
A faceta mais importante de qualquer sistema de aconselhamento é sua teoria da mudança. A teoria da mudança de um sistema é a soma total de sua visão da condição humana, da pessoa humana e de autoridade. O aconselhamento bíblico vê a mudança como sendo uma obra do Espírito Santo no coração humano por meio da graça, com a Escritura ocupando o centro do palco para evocar a transformação. No entanto, diferentes correntes no aconselhamento bíblico enfatizam diferentes meios que o Espírito usa, e diferentes formas que a Palavra age a fim de organizar o “negócio” prático de reordenar nossos corações.
Carter escreveu sobre como o hábito era central para a teoria da mudança promovida no aconselhamento bíblico inicial, portanto, não há necessidade de recapitulação. Em vez disso, quero examinar o método de mudança promovido por uma abordagem orientada para a cognição que, em grande parte, substituiu os hábitos.
Embora muitos trabalhos promovam uma abordagem orientada pela cognição para a mudança, o livro mais focado nisso é Como as Pessoas Mudam, de Timothy Lane e Paul David Tripp, publicado originalmente em 2006 (em 2019 na versão em português). Este trabalho é particularmente útil para avaliar a visão da mudança orientada pela cognição, porque restringe seu foco em abordar a teoria e os aspectos práticos de como os seres humanos realmente mudam.
Lane e Tripp começam identificando o cerne dos problemas humanos. Eles usam o termo “lacuna do evangelho”, que consiste no abismo entre a teologia que é consentida e a teologia que é aplicada. Para mudar, os seres humanos “precisam ver como o evangelho faz uma conexão entre o que eles estão fazendo e o que Deus está fazendo. Eles precisam entender que suas histórias de vida estão sendo vividas dentro da história maior de Deus para que possam aprender a viver cada dia com uma mentalidade centrada no evangelho.”<1> Os autores observam cinco verdades teológicas significativas que moldam o restante do livro:<2>
A extensão e a gravidade do nosso pecado
A centralidade do coração
Os benefícios presentes de Cristo
O chamado de Deus para o crescimento e a mudança
Um estilo de vida de arrependimento e fé
As pessoas mudam quando a lacuna do evangelho é ultrapassada por essas cinco categorias sendo devidamente compreendidas e aplicadas.
A resposta de Lane e Tripp à pergunta “Como as pessoas mudam?” é bem diferente em orientação daquela dada por conselheiros bíblicos anteriores. Os hábitos—volição e ações humanas—são substituídos por uma abordagem cognitiva da mudança. A mudança real ocorre quando um indivíduo modifica seu pensamento a respeito de categorias específicas do evangelho. Mudança no pensamento (conforme representado por palavras como crença e fé) leva à mudança.
Esse foco não significa que Lane e Tripp sejam exclusivamente cognitivos. Eles incorporam a necessidade de ação e obediência em sua obra. No entanto, a ação física é frequentemente elogiada por seu papel na ilustração ou ênfase de conceitos cognitivos. Os sacramentos são identificados como um meio que promove a mudança, mas principalmente porque ilustram a natureza relacional do Cristianismo, o que reforça o ensino anterior de que a mudança acontece na comunidade.<3> Uma tendência semelhante pode ser vista na abordagem de Lane e Tripp à resposta humana pecaminosa a circunstâncias indesejáveis (os "espinhos" em seu memorável modelo “calor-espinhos-cruz-fruto”). A solução para as respostas pecaminosas é apresentada principalmente em termos cognitivos. As pessoas são chamadas a lembrar as promessas e ordens de Deus para obedecer, redefinir o sofrimento, transformando a visão de seu significado e enfrentando a realidade como ela realmente é. A única ação prática específica sugerida na discussão de “espinhos” é ler livros cristãos—que é um hábito, mas direcionado à transformação cognitiva.
Se o leitor estiver familiarizado com a terapia cognitivo-comportamental (TCC) de segunda onda (Ellis, Beck, Meichenbaum, etc.), o parágrafo anterior apresenta várias semelhanças com o mecanismo de mudança ensinado na TCC. Intervenções cognitivo-comportamentais são centradas em abraçar a realidade, identificando a interpretação de alguém desses eventos e modificando pensamentos (ou os "esquemas" subjacentes) em relação a esses eventos. Mais profundamente, mudar as crenças fundamentais de uma pessoa leva a um reordenamento final. Até mesmo a ênfase na leitura de livros cristãos é um cartão de visita da TCC, embora reempacotada como “biblioterapia”.
As semelhanças entre Como as Pessoas Mudam e TCC não significam que Lane e Tripp são terapeutas cognitivo-comportamentais enrustidos (ou inconscientes). A TCC e o aconselhamento bíblico são distintos, separados por diferentes perspectivas sobre a alma, a necessidade da obra do Espírito para reordenar as afeições do homem, o poder exclusivamente transformador das Escrituras e toda uma litania de outros assuntos. Nem as semelhanças entre Adams e as abordagens behavioristas que giram em torno do hábito tornam Adams e outros primeiros conselheiros bíblicos behavioristas. No entanto, é claro que, em retrospecto, as tendências no aconselhamento bíblico têm paralelo às tendências da psicologia secular. Uma possível explicação para essa correlação é que os humores psicológicos seculares dominantes moldaram o pensamento desses conselheiros bíblicos em termos das perguntas que fizeram, da maneira como abordam os problemas humanos e da maneira como as soluções são descritas. Essa formação é inevitável. Todo autor que já escreveu o fez a partir de suposições culturais inescapáveis. Diferentes eras seguem diferentes correntes, e a forma e o escopo de nossos argumentos são frequentemente movidos por essas correntes de maneiras que não percebemos. Aprecio a teologia de João Calvino, mas a antropologia central nas Institutas da Religião Cristã fornece um exemplo de como a cultura intelectual muitas vezes pode conduzir a considerações teológicas. Logo no início, ele afirma que não devemos especular além do texto das Escrituras. Então ele se vira e especula por todo lado. Para dar um exemplo particular, ele conscientemente importa os argumentos dos filósofos gregos para apoiar sua visão hierárquica do coração.<4> Mas isso não era especulação para ele; era um fato estabelecido. As correntes dos dias de Calvino impulsionaram sua rejeição da abordagem dos filósofos para a expiação, mas também permitiram que ele incorporasse o pensamento pagão em sua teologia do coração sem resistência rigorosa.
O ponto aqui não é denegrir Lane ou Tripp (ou Calvino) de nenhuma maneira ou forma. Como as Pessoas Mudam é leitura obrigatória em meus cursos, sem reserva. É um livro excelente que defende um método memorável (e bíblico) de mudança. E, no entanto, também é desequilibrado, enfatizando os aspectos cognitivos da mudança sem desenvolver como os hábitos e afeições funcionam para fazer crescer o coração na piedade. O trabalho de Adams é igualmente desequilibrado em relação à volição, discutindo extensivamente o hábito, mas negligenciando os aspectos mais sutis das afeições do coração.
Uma outra camada também deve ser considerada. Tenho afinidade com o trabalho de Adams, Lane e Tripp. Acho que ambos falam biblicamente sobre mudança, captando bem como o coração é transformado. No entanto, ambos são incompletos sem o outro. Levar nossos pensamentos cativos é auxiliado por adiar e colocar em prática determinadas ações (e Efésios 4 fala especificamente em adiar e colocar em prática ações, não pensamentos). No entanto, devo reconhecer que minha abordagem eclética reflete a atual antipatia dentro da psicologia secular em relação à seleção de um sistema particular de mudança. Seria a minha própria disposição em aceitar ambos os modelos mais um exemplo de pensamento de aconselhamento bíblico sendo influenciado e impulsionado por humores e teorias dentro do mundo do aconselhamento secular? É bem capaz.
Este não é um artigo que afirma muita coisa. Em vez disso, estou oferecendo algumas observações preliminares e esperando que outros conselheiros mais sábios (e mais estudados) possam aprofundar a discussão com seus pensamentos e observações. Parece que vale a pena fazer a pergunta: De que forma os conselheiros bíblicos nomeiam os problemas e articulam as soluções impulsionadas pelas tendências do pensamento secular? E talvez mais importante, que impacto isso tem sobre a maneira como aconselhamos o povo de Deus? Não sei a resposta, mas acho que é um assunto que vale a pena considerar.
Questões para reflexão
Você vê tendências gerais entre como os conselheiros bíblicos discutem a mudança e como a psicologia secular concebe a mudança? O que você acha delas?
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Este post, de autoria de Nate Brooks, foi originalmente publicado no blog da Biblical Counseling Coalition. Traduzido por Gustavo Santos e revisado por Lucas Sabatier. Republicado mediante autorização.
Os conceitos e posicionamentos emitidos nos textos aqui publicados são de inteira responsabilidade dos autores originais, não refletindo, necessariamente, a opinião da direção e membros da ABCB em sua totalidade.
<1> Timothy Lane e Paul David Tripp, Como as Pessoas Mudam, (São Paulo: Cultura Cristã, 2019), página 4 da versão em inglês.
<2> Ibid., páginas 13–15 da versão em inglês.
<3> Ibid., páginas 77–78 da versão em inglês.
<4> Veja João Calvino, As Institutas, vol. 1, 1.15.6: “Mas deixo para os filósofos discutirem essas faculdades em sua maneira sutil... Eu, de fato, concordo que as coisas que eles ensinam são verdadeiras, não apenas agradáveis, mas também proveitosas de aprender e habilmente reunidas por elas... Portanto, eu admitir em primeiro lugar que existem cinco sentidos, que Platão preferia chamar de órgãos, pelos quais todos os objetos são apresentados ao senso comum, como uma espécie de receptáculo.”
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