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RESTAURANDO UM IRMÃO OFENSOR: Aconselhamento Bíblico e Disciplina Eclesiástica em Mateus 18.15-20.

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Por Walace Juliare

 

“Mesmo levando-se em conta as peculiaridades históricas da Bíblia e a imensa complexidade do mundo moderno, ainda assim existe uma correspondência fundamental entre eles, e a Palavra de Deus continua sendo uma lâmpada para os nossos pés e uma luz para os nossos caminhos1.”

 

Mateus 18.15-20 representa uma luz para o caminho daqueles que são ofendidos, ou ofendem outros. Na complexidade do pecado e seus desdobramentos, a Bíblia, como Palavra de Deus, possui respostas profundas sobre a restauração de relacionamentos por meio de admoestações diretas e pacíficas.

 

O Evangelho de Mateus dirige-se a uma comunidade judaica muito alimentada pela expectativa messiânica, cujo Messias e Rei de Israel é apresentado na pessoa de Jesus, onde sua autoridade trazida por seus ensinos, apontam muitas vezes para questões de relacionamentos interpessoais como a característica de um cidadão do reino dos céus (cap.18).

 

1. O foco do texto: restauração de relacionamentos

A leitura natural do trecho específico, descreve Jesus orientando alguns passos importantes que devem ser dados na restauração de um relacionamento quebrado:

a) comunicação direta entre ofendido e ofensor;

b) comunicação compartilhada entre ofendido, outras testemunhas e ofensor;

c) comunicação compartilhada pela igreja.

Isso se dá no ambiente de autoridade comunitária (vv.18-20).

 

O texto olha para o procedimento que alguém deve ter quando ofendido pelo pecado de um irmão, isto é, um membro da comunidade (v.15). O escrito não menciona o tipo de pecado ou ofensa cometida, muito menos sugere que tenha sido um ato público; pelo contrário, a descrição é direta e sua menção refere-se a uma ofensa pessoal, praticada entre duas pessoas, visto que os substantivos se apresentam no singular (v.15).

 

2. As etapas visam à restauração, não à punição

Nesse diapasão, a instrução de Jesus tem como caráter a restauração daquele que pecou e ofendeu seu próximo; e a reconciliação tanto entre os envolvidos quanto com a comunidade a que o ofensor pertence. As orientações destacam relacionamentos que precisam ser restabelecidos. No entanto, tais etapas são muito mais focadas nos meios naturais da comunicação dentro do processo de repreensão do que em uma regra rígida para estabelecer uma disciplina eclesiástica na vida de um ofensor.

 

Nota-se que o texto estabelece a conclusão do processo de repreensão em qualquer das etapas se houver arrependimento, ou, quando não há arrependimento, ao fim da última tentativa de restauração. 

 

O princípio de comunicação direta diante de uma ofensa e propósito de restauração do ofensor era uma mensagem veterotestamentária e o ensino de Jesus trazia a lição para os discípulos sobre procedimentos em como manter a prática do amor, da humildade e do perdão para os relacionamentos interpessoais que sofressem ofensas e afetassem a comunidade.

 

Portanto, Mateus 18.15-20 oferece sobretudo uma direção para a restauração de relacionamentos quebrados pelo pecado e ofensas cometidas entre aqueles que convivem numa comunidade marcada pelo amor de Cristo.

 

3. Relação entre Mateus 18 e Disciplina Eclesiástica

Isso não elimina o uso desses princípios como um modelo para a igreja tratar de pecados, num processo de disciplina eclesiástica. O que precisa acontecer, nesse caso, é que quando a igreja mencionar esse texto bíblico em processos disciplinares, sua comunicação e ensino deve ser clara, e de acordo com a hermenêutica do texto em si. Deve-se evitar um anacronismo ou inferência, que não corresponda a uma exegese correta, pois nem Jesus, nem Mateus, criaram um processo disciplinar para a igreja, mas apresentaram um modelo de restauração para um ofensor que pecou contra seu próximo.

 

Tendo esse entendimento hermenêutico em vista, podemos afirmar que Mateus 18.15-20 estabelece uma correlação prática e relevante entre Aconselhamento Bíblico e Disciplina Eclesiástica. 

 

4. Quatro correlações entre aconselhamento e disciplina

 

1ª Quando o pecado é uma ofensa interpessoal dentro da igreja

A primeira correlação envolve a situação de uma ofensa praticada contra uma pessoa dentro da comunidade eclesiástica e que requer uma mediação reconciliadora e orientadora.

Neste caso, o ofensor não é a pessoa que toma a iniciativa de procurar ajuda quando comete seu erro, e sim o ofendido ou a testemunha do pecado que atua como aquele que confronta o erro ou ofensa.

 

Para tal situação, há a necessidade da atuação de alguém que oriente o procedimento de confrontação e restauração, e, tanto um Ministério de Disciplina Eclesiástica quanto um de Aconselhamento Bíblico podem atuar, pois a disciplina circunscreve correção e formação.

 

 

2ª Quando há arrependimento em qualquer etapa

Uma segunda correlação envolve os casos em que o ofensor se arrepende em qualquer uma das etapas. Jesus recomenda que, diante do arrependimento, a advertência deve ser interrompida. Logo, frisa-se que em nenhum momento no texto existe uma sugestão para uma ajuda aprofundada ao ofensor. Esta situação não recomenda a aplicação de uma Disciplina Eclesiástica nem de um Aconselhamento Bíblico. 

 

3ª A importância da confidencialidade

A terceira correlação reflete uma questão de confidencialidade. O envolvimento de uma terceira pessoa no processo de confrontação, quando não há arrependimento por parte do ofensor, na primeira abordagem, deve acontecer considerando o absoluto cuidado com a confidencialidade. Se o princípio ensinado por Jesus ressalta o valor da comunicação direta, tal comunicação deve ocorrer em todas as etapas, sempre contemplando tanto o ofensor quanto o ofendido. Portanto, os ministérios de Aconselhamento Bíblico e Disciplina Eclesiástica devem atuar dentro desse princípio, respeitando as esferas de autoridade e respeito com os indivíduos, mesmo quando há culpas e ofensas a serem tratadas.

 

4ª Quando não há arrependimento

Uma quarta e última correlação envolve os casos em que inexiste arrependimento e abandono do pecado, mesmo após todas as tentativas de restauração. Nessas situações, o ofensor e a igreja devem encerrar as tentativas de restauração e propor o afastamento da pessoa da vida em comunidade. Nesses casos, os ministérios de Aconselhamento Bíblico e Disciplina Eclesiástica devem ter atuado desde o princípio com o intuito de restauração. No entanto, quando isso não é possível, torna-se imprescindível a recomendação a uma excomunhão do ofensor.

 

5. Considerações Finais

Destarte, caso considerado apenas o texto de Mateus 18.15-20, a conclusão que se chega é que tanto o ministério de Aconselhamento Bíblico quanto o de Disciplina Eclesiástica não possuem subsídios suficientes para as aplicações de seus propósitos; o que leva ao entendimento de que a oferta de um aconselhamento para alguém que esteja envolvido com disciplina eclesiástica é uma tratativa eclesiástica praticada pela igreja, baseada em múltiplos princípios e textos bíblicos.

 

Concluímos que a Igreja, como santuário edificado sob Jesus Cristo, a principal pedra de esquina (Efésios 2.20), tem como responsabilidade o desenvolvimento espiritual daqueles que estão sendo salvos (Mt 28.19-20). Por isso, os procedimentos disciplinares para a intervenção e restauração na vida daqueles que estão contemplando práticas pecaminosas contra outros, ocorrem sob a orientação bíblica e a supervisão de ministérios eclesiásticos, como o Aconselhamento Bíblico e a Disciplina Eclesiástica, que atuam em parceria, para restaurarem a autoridade das Sagradas Escrituras na vida de qualquer indivíduo que afirma estar debaixo da salvação de Cristo Jesus.

 

Referências:

1. STOTT, JOHN. Ouça o Espírito, ouça o mundo. 2 Ed., ABU Editora, 2005. Pág.8

 

Autor: Walace Juliare, pastor no Templo Batista Bíblico em São José dos Campos. Professor da ABCB, e autor do livro: Disciplina Eclesiástica e Aconselhamento Bíblico. Publicado pelo Ministério Ler.

 

Editor: Alex Mello

 

* Os artigos publicados no BLOG  refletem o pensamentos de seus autores e não representam necessariamente a posição oficial da ABCB.

 

 
 
 

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